27 agosto, 2009

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ALGUMAS PALAVRAS


Por que gostamos de algumas palavras e implicamos com outras? A que memórias afetivas, a que associações insuspeitadas, se deve tamanha arbitrariedade?
Os poetas, então, têm aqui uma fonte de deleite perpétuo. Brincam com as palavras desde que a escrita começou, e provavelmente antes disso em jogos orais.
Guimarães Rosa deu-se ao luxo de compor derivações inusitadas, como o nome do vaqueiro Moimeichego em "Cara de Bronze", a que chegou, conforme explicou a seu tradutor e correspondente Edoardo Bizzarri, adicionando pronomes de primeira pessoa em várias línguas (Moi + me + ich + ego). Pronunciados segundo a prosódia brasileira, tornam-se irreconhecíveis. Joyce também se entregara a malabarismos do mesmo jaez, procedimento a que recorreu inúmeras vezes, como quando compôs o onomástico Mamalujo a partir da primeira sílaba dos quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João. Walnice Nogueira Galvão

1. CONGO

A palavra Congo, para mim, é um conceito, não um país. Um conceito secreto, só meu, que eu uso para facilitar o processo de pensamento. O local mais confuso da África de hoje me dispara, com seu nome, um cadeia de associações mentais poderosas e, às vezes, até minha postura corporal muda. O Congo das coisas. Arthur Omar

2. SILÊNCIO

Nunca convivi bem com a noção silêncio, quando John Cage veio nos dizer que o silêncio não existe, e tudo seria som. Cage queria trazer o som para dentro do silêncio. Todos os intervalos, inclusive os musicais, estariam preenchidos por sons, vindos de todos os cantos da nossa atenção.
Ouvido de uma maneira correta, tudo seria música, inclusive o silêncio. O silêncio não existe, pois quando a música pára, o som do mundo continua. Arthur Omar

3. ALELUIA

Já uma das palavras mais lindas que existem é aleluia. Convida ao devaneio, sugerindo conexões milenares que não têm a menor base mas muito alegram. A palavra é bíblica, do Velho Testamento, e quer dizer “louvar com júbilo” (subentendido, a Iavé, cujo nome é impronunciável). Devido a essa origem, existe em muitas línguas, sem alterações. Para mim, deve ser onomatopaica. Walnice Nogueira Galvão

4. SEBO

Gosto do modo silencioso e discreto dos freqüentadores de sebo. Odeio a algazarra das superlivrarias modernas. Aliás, o silêncio dos sebos encontra um eco (?) notável no silêncio meio pardo que o tempo impôs às discretíssimas capas dos livros antigos. São livros que não gritam, que não se anunciam, ao contrário, quase se escondem sob poeira, manchas e encadernações anonimizantes, invocando o leitor-investigador.
Já nas superlivrarias, graças a um moderníssimo design, aliado às leis do mercado, segundo as quais a capa de seu livro deve berrar mais do que a capa do livro ao lado para ser notada na competição das vitrines e balcões, o que se vê é um reluzente e insuportável efeito de capas espelhadas, capas que brilham, capas luminescentes, que para qualquer córnea mais sensível tem o poder de adagas. Carlito Azevedo

5. INEVITÁVEL

Milhões de pessoas, nas mais diferentes línguas, a repetem todos os dias. Nas duas últimas décadas a palavra se tornou um tipo bizarro de artifício para encerrar toda forma de debate.
Frente ao inevitável, as coisas são o que são, Tudo é o que deveria ser. Marcelo Resende


E VOCÊ?
QUAIS SÃO SUAS PALAVRAS PREFERIDAS?


SOBRE OS AUTORES ACIMA

Walnice Nogueira Galvão - É professora titular de literatura na USP
Arthur Omar - É artista plástico, fotógrafo e diretor de cinema
Carlito Azevedo - É poeta, autor de "Collapsus Linguae", "Sob a Noite Física" e "Sublunar" (ed. 7 Letras), entre outros
Marcelo Rezende - É jornalista, diretor de redação da revista "Cult".
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2 comentários:

  1. Algumas:

    Imperscrutável
    Alcova
    Amendoado
    Sururu
    Clareira
    Lamiré
    Doçura
    Miosótis
    Cachemira
    Falua
    Pudor
    Acaso

    Ah, nostalgia! Falada devagarinho e quase em um sussurro.

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  2. Gosto da palavra não dita só expressada com louvor... gosto do seu jeito poetico desproposital de usar as palavras e acrescla de sentimentos inatos e cheio de cor.

    lindo

    bj bj bj

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