29 abril, 2009

depois de certo tempo



O tempo. Uma lente de aumento, um telescópio, encurtando distâncias. O tempo. Como o ato de envelhecer, amadurecer, ficar mais sábio. O tempo.


Confesso: às vezes é difícil mesmo perceber.


Você só percebe aquilo que lhe é caro, raro, especial, depois de certo tempo. Depois que a poeira baixa e a excitação / frustração decorrentes pelas rupturas finalmente cessa. Aí você finalmente enxerga. Pela lente de aumento do tempo. Você enxerga que há pessoas que nunca se vão, que estarão sempre presentes e isso faz você sorrir, isso faz seu sono ser embalado como que por acalantos.
Depois de certo tempo você percebe que amou aquela pessoa mais do que poderia ter demonstrado enquanto ela lhe entregava seu coração. Todos os dias. E você, que andou seco, árido por tanto tempo, não conseguia dizer. Olhava sem olhar. Mas nunca deixou de amar.
Depois de certo tempo as lágrimas irrigam novamente o coração, a alma, a garganta. Você percebe que aquela pessoa sempre esteve ali, alinhavando suas histórias, a sua e a dela, com uma linha tão clara que se confundia com o tecido. Nos momentos decisivos, de alguma forma você esteve presente, de forma discreta, às vezes sem falar nada. Mas estava lá. A cada carinho, cada gesto, deitados juntos no escuro do quarto, muitas vezes só havia o silêncio. O amor também estava lá (sempre esteve presente). De um lado discreto, de outro mais visível.


Naquele tempo em que ele se esqueceu da delicadeza do tempo, havia um compromisso não verbalizado que selava a responsabilidade de um para com o outro. Apoio era a palavra. Mesmo quando a palavra não era dita.


Você nunca precisou chamar, nem ela nunca precisou mostrar-se disposta. Simplesmente estavam lá. Observando o tempo. Um cuidando do outro. Cada qual à sua maneira.
Certas coisas, para o bem ou para o mal, a gente não planeja. Talvez aconteça assim com as melhores lembranças. Um dia, com o olhar distante até onde a memória alcança, a gente pode se lembrar de alguém que a gente gostaria mesmo que nunca tivesse saído de perto.


Depois de certo tempo você sabe que o amor não morreu. Apenas se transformou. Como as estações mudam e as flores se renovam.


Aí você finalmente entende que é preciso estar vivo todos os dias. É preciso regar os jardins todos os dias. É preciso fazer serenatas mesmo nas noites de chuva. É preciso que haja piqueniques mesmo durante a semana. É preciso que as coisas boas, as pessoas que amamos sejam também cultivadas.


Depois de certo tempo, você sabe que o amor que existe entre você e ela é rico, raro, lindo e único. E talvez seja necessário que o tempo mostre. O tempo.
.

wallace puosso, abril de 2009
.

Um comentário: